Filed under: Poesia | Tags: anticonsumismo, brincadeira, cooperação, educação infantil
Caro educador,
Sou criança, a vida pulsa em mim com força.
Por isso amo a festa
e ainda sei o que você talvez tenha esquecido:
viver só faz sentido se for uma celebração.
Então, que a alegria seja a nossa bandeira!
A nossa conselheira de todas as horas.
Assim, respeite o meu brincar, que brincar é sagrado.
É a minha meditação, a educação primeira
destes tenros anos que são o alicerce da minha felicidade.
Atreva-se a confiar na inteligência da vida
e reverencie a minha pedagogia natural.
Constate que o conhecimento já está em mim,
e sua função é me ajudar a descortiná-lo.
Para tal, fomente a criatividade e a liberdade,
cultive o contato com as artes e a natureza,
também a autoridade amorosa, a única possível e necessária.
Cúmplices, faremos forte e bem-aventurado o nosso vínculo.
Afinal, precisaremos dele para enfrentar o desequilíbrio do mundo,
que está fazendo de tudo para espoliar minha inocência cada vez mais cedo.
Fique alerta, não me entregue à loucura humana,
aceitando resignadamente seus valores rotos,
suas convenções inescrupulosas.
Tenha a coragem de me proteger, educador!
Reflita, a cada ação: a que serve isto?
E não atribua a responsabilidade de seus procedimentos a superiores.
“Superior” deve ser a sua consciência.
Assuma pessoalmente o que você faz e diz.
Mais: não me corrompa, incitando-me ao consumismo.
Seu papel é prover-me de condições para perceber
que nada que me realize está à venda,
mas à espera de ser resgatado.
Incentive-me, portanto, a ser o conquistador de mim.
Provisione-me de ferramentas éticas e práticas para avaliar,
e então pagarei – o preço justo – apenas por aquilo de que necessito.
Não me entorpeça com dados, que têm sido muitos e fúteis,
não embote com bobagens formais o meu canal direto com o saber:
o meu voo é mais alto.
E é tão singelo que você não pode conceber, a menos que me ame:
quero poder rir e chorar, sentir e imaginar.
Também você flua,
em vez de estabelecer condutas inflexíveis para nós.
Porque isso é um desperdício de vitalidade,
e gera tédio e infelicidade para todos.
Ainda, resista ao automatismo de me responder “não”.
Mas não deixe de pronunciá-lo e fazê-lo valer
quando meu desejo ou comportamento representar prejuízo
para mim ou para os demais seres vivos.
E, por falar em “outros”, educador,
compreenda que essa mania de competição
é uma ideia obtusa que destrói o afeto e o planeta!
Ora, por que escolher alguns, se todos temos valor?
A vitória particular é uma circunstância diminuta
diante do que temos a capacidade de realizar juntos.
Instigue-me a dar o meu melhor, para mim mesmo e para o mundo.
Quem se esforça e compartilha sua gema preciosa sempre brilha!
Por fim, observe cuidadosamente que alternativa de vida você elege todos os dias
e visualize a sua realidade como o resultado das opções que você faz.
Ah, educador, eu tenho um sonho.
Que a escola não seja um lugar, mas uma dimensão do meu ser.
Ali mergulharei na formidável aventura do saber,
que apresentará envolventes e infinitas respostas para a pergunta fundamental:
quem sou eu?
Onides Bonaccorsi Queiroz