Verbo de ligação


Eu e tu, meu filho
06/05/2016, 22:01
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Ah, que doce instância é essa, singelo e gigante universo: eu e tu, meu filho. Unidade, luz e amor desde o ventre. E mesmo antes dele. Pois eu já te amava quando, menina, embalava minha boneca.

Que bom, vieste! E o que há de melhor em mim foi certamente despertado pela tua presença. As maiores superações que já pude fazer, tu as ocasionaste. E o que eu não faria nem em meu próprio favor, aceitei fazer por ti, de bom grado.

Pelo teu advento em minha vida, meu peito, tão sufocado pelo medo de amar, então se abriu mais. E tenho agora nova disposição para os seres humanos, especialmente para as crianças. Pois vejo em todas os olhos inocentes e brincalhões do meu menino, que corria livre pelo nosso grande quintal.

Ah, tão querido, se soubesses quão terna e dolorosa é a memória de uma mãe… A bordo dela estão todos os momentos e todo o afeto vividos junto à sua cria.

Então, meu bem, não importa que tenhas crescido. Não importa que tenhas seguido teus passos, como devia ser, que tenhas te apartado de mim. Eu sou tua mãe e te trarei sempre junto ao meu coração.

Onides Bonaccorsi Queiroz

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(Foto: Adriana Queiroz)

 



bem-vindo
06/05/2015, 19:00
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Como não se apaixonar pela inocência?

Naquele corpinho, miúdo como que estivesse brincando com o juízo da gente, tudo tão engraçadinho – a natureza tem suas estratégias para nos seduzir. Aqueles movimentos tão incipientes e tão exploradores. Aquela pele, sedosa, viva, recém-chegada do reino-do-novo.

E aquele olhar. Que sabe de tudo, só não sabe que sabe. Aquela pureza que nos fala do que há muito nos esquecemos e diz que sim, ainda existe.

Coisa mais temível para a mãe, o primeiro banho. Mas a gente se atreve e faz e depois faz tantas vezes que fica natural fazer. E até se torna um momento especial banhar aquele ser fofo, lindo, gostoso. E depois enrolar na toalha feito pacotinho. Secar bem as dobras, os dedinhos, grãos de milho encarrilhados na espiga. Mais os outros cuidados para não assar – eu polvilhava maisena. Até que, roupinha limpa, bebê pronto. Ô, delícia!

Vitoriosos, nos dirigíamos à poltrona. Ele já quase bravo. Eu desabotoava a blusa, entregava-lhe o seio. Ele vinha decidido. E sugava, sugava com a força que hoje reconheço em seu caráter. Aos poucos serenava. Às vezes, seu olhar esbarrava no meu. E dava um sorrisinho. Eu ganhava o dia.

Ali naquela unidade, o mundo era nosso.

Onides Bonaccorsi Queiroz

(Foto: Adriana Bonaccorsi Queiroz)

(Foto: Adriana Bonaccorsi Queiroz)



a festa secreta
11/05/2014, 21:18
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Quando me avistou entrando na escola, veio me encontrar. Com uma feição um tanto transtornada, carente, me perguntou:

− Mãe, por que você não veio?

− Veio onde, filho?

− Pra nossa festa de Dia das Mães. Foi hoje. Fiquei te esperando…

Eu quis cair de costas de susto e desapontamento.

− O quê? Mas eu não sabia, meu filho!

− Todas as mães vieram.

− Mas ninguém me avisou, meu amor. Você sabia da festa?

− Sabia.

− E por que não me disse nada, querido?

− É que a professora falou, quando a gente começou a ensaiar a apresentação, que não podia contar pras mães. Que era segredo. Por isso eu não disse.

Minha cabeça rodando de confusão. Eu não sabia o que pensar.

− Mas como eu ia saber?

− A professora falou que ia mandar um bilhete.

− Não mandou. Eu abri sua agenda ontem.

Eu me ajoelhei e abracei meu pequeno com todo carinho. Depois as outras mães me relatariam sua ansiedade e desconsolo durante a apresentação, sempre olhando em direção ao portão, esperando a mãe que nunca chegava…

− Me perdoe, meu amor. Eu jamais teria faltado se soubesse da festinha. Me perdoe, por favor.

Eu não sabia se morria de dó dele – e de mim – ou de raiva da professora que não teve a competência de fazer chegar o tal bilhete em minhas mãos. (No dia seguinte encontrei o famigerado no fundo da mochila, todo socado, e não colado na agenda, conforme o combinado, professora!)

Então o menino se soltou de mim e quis brincar mais um pouco. Já eu precisava de um tempo para processar o acontecido. Estava fora do ar.

Fui me dirigindo para o grande gramado sob as árvores. Abaixei-me e, encolhida, senti que queria sumir de tanta decepção. A situação me doía profundamente e não havia nada que pudesse mudar o ocorrido. Era desamparo demais no peito.

Não conseguia entender por que aquilo havia acontecido comigo. Eu, que parei de trabalhar fora para cuidar do meu bebê, que amamentei por mais de dois anos, que privilegiei sempre o afeto, a presença, a brincadeira e a vida natural… Senti que não merecia aquilo: perder a primeira festinha para as mães da vida escolar dele! Pareceu-me muito injusto.

As lágrimas já pulavam dos meus olhos e eu só pensava na dor que havia causado àquele coraçãozinho que eu amava tanto. Não conseguia me perdoar. Estava injuriada e chorei até acabar o estoque de lágrimas.

Então olhei em torno de mim. A copa das grandes árvores fazendo sombra no gramado, o verde em lindo contraponto com o azul do céu limpo. E, olhos para o alto, me ocorreu pedir:

− Me dá um conforto, por caridade.

Ali fiquei minutos, em silêncio. Ouvia a minha respiração e os pássaros cantando. O vento tocando minha pele. Ao longe, ruído de crianças brincando.

Então, como uma melodia que vai invadindo suavemente os ouvidos da gente, uma compreensão se apresentou em minha consciência: a dedicação amorosa nunca é vã.

Depois o arremate, a lição de humildade, justíssima sim:

− As boas mães também falham.

Onides Bonaccorsi Queiroz

 

"Motherhood" (Maternidade), foto de Darrel Lew

“Motherhood” (Maternidade), foto de Darrel Lew