Verbo de ligação


A Trégua de Natal

Nos primeiros meses da Primeira Guerra Mundial, a propaganda militar conseguiu inflar o orgulho dos soldados e fazer crescer o ódio entre alemães e britânicos.

No fim de 1914, já se percebia que a guerra seria mais longa e destruidora do que se imaginava. Os britânicos haviam perdido 160 mil homens, a Alemanha e a França, 300 mil cada.

O cenário nas trincheiras era de horror. Inalava-se um terrível mau cheiro: dos corpos em decomposição e das latrinas a céu aberto. Os cadáveres atraíam milhares de ratazanas, que também mordiam os vivos, quando dormiam nos buracos escavados. E ainda havia piolhos, aos milhões, nos cabelos, barbas e uniformes dos soldados.

O solo tinha centenas de crateras abertas pelas explosões da artilharia. E, pleno inverno, o frio seguia impiedoso, com temperaturas abaixo de zero. Quando chovia forte, a água subia na altura dos joelhos dos soldados, causando doenças respiratórias. Assim, gradativamente, o cotidiano infernal foi minando a energia de combate.

Até que chegou a noite de 24 de dezembro. E eis que o barulho das granadas, que costumava ser ensurdecedor, já não se ouvia em vários fronts. Nem explosões, nem tiros, nem homens agonizantes.

Há o relato de que, numa localidade próxima à fronteira com a Bélgica, ouviu-se alguém cantando, nas trincheiras alemãs, Stille Nacht, Heilige Nacht (Noite Feliz). Centenas de vozes fizeram coro. Os britânicos, embora não compreendessem a letra, reconheceram a canção. E também a entoaram em inglês: Silent Night.

Então os dois lados gritaram saudações de Natal, um para o outro, até que começaram a surgir convites e iniciativas de ambos para uma trégua, até um encontro pacífico. O capitão alemão Josef Sewald, do 17º Regimento Bávaro, descreveu, anos depois: “Gritei, em inglês, para os nossos inimigos que não queríamos atirar e que faríamos uma trégua de Natal. Disse que eu viria do meu lado e que poderíamos conversar. A princípio, houve silêncio, voltei a gritar e um inglês gritou: “Parem os tiros!”.  Aí um deles saiu das trincheiras e eu fiz o mesmo. Nós nos aproximamos e trocamos um aperto de mãos. Pouco depois, outros começaram a fazer travessias na Terra de Ninguém, como era conhecia a região entre as trincheiras. Trocaram presentes, como biscoitos, alimentos enlatados, álcool ou recordações, como botões e chapéus do uniforme.”

A trégua se repetiu em vários fronts, como noticiaria o The New York Times em 31 de dezembro e depois o The Daily Mirror. Houve diversos depoimentos de aproximação e de confraternização entre soldados oponentes, especialmente nos 50 quilômetros entre Diksmuide (Bélgica) e Neuve Chapelle (França). Ali, eles confraternizaram. E viram que tinham muito, muito mais em comum do que os insanos barões da guerra gostariam que eles soubessem.

E, nos dias 25 e 26, como meninos, eles se permitiram viver a alegria e, com bolas improvisadas, jogaram animadas partidas de futebol.

Onides Bonaccorsi Queiroz

trégua de natal

Uma das reuniões de soldados ingleses e alemães ocorridas durante a Trégua de Natal de 1914