Verbo de ligação


As artimanhas do bonzinho
10/09/2014, 21:28
Filed under: Prosa | Tags:

Todo mundo conhece. Personagem do cotidiano, aqui e ali a gente depara com ele: o bonzinho. E sua preocupação fundamental: fazer crer que é afável e generoso.

No que obtém sucesso junto aos mais distraídos. Esses que o confundem com o autenticamente bom, por não estarem atentos a uma diferença elementar entre os dois: a motivação.

Enquanto o bom coopera com naturalidade e tira sua paga da satisfação com a própria atitude, o bonzinho é um impostor. Apesar do discurso e até das ações aparentemente desprendidas, ele não é um altruísta, mas um comerciante. E o lucro que persegue é a sua imagem pública de benfazejo – expediente que nega com todas as forças, inclusive para si próprio, já que a inconsciência é sempre parte da doença.

Em sua história, o bonzinho traz confusões estruturais. É filho daqueles que não toleram o erro e não confiam no livre processo de aprendizado da criança, privando-a de entrar em contato com suas emoções, especialmente a tristeza e a raiva.

O que acarreta um drama psíquico para a personalidade em formação, além de um golpe indelével na autoestima do indivíduo: “Se eu for o que eu sou, se eu expressar o que de fato sinto, ninguém me aceitará. Então devo fingir”, reflete inconscientemente.

Ocorre que, sem conhecer seus contrastes e paisagens interiores, ninguém identifica seu valor pessoal e nem consegue ter notícia dos seus legítimos anseios. Como, então, poderia defendê-los aberta e serenamente? Na verdade, quanto mais reprimido for, mais ardilosamente agirá em suas manobras ocultas.

E, enquanto confinado em seu cativeiro emocional, desprovido de referências comportamentais significativas, o bonzinho segue enganado, imaturo e frustrado, sem possibilidade de ver florescer em si a autenticidade, a responsabilidade pelo autodesenvolvimento e uma gratificação existencial mais profunda.

Mas esse sujeito não mora tão longe assim. É bem comum que os seres humanos sustentemos, ao menos eventualmente, essa máscara. Importa inspecionar tal manifestação, investigar sua origem e dinâmica, compreendendo que apenas o descontentamento com a própria vida pode mobilizar para um modo de ser mais espontâneo e estimulante.

De qualquer modo, o mundo precisa de benevolência. Quem não gosta de ser recebedor de uma gentileza? Quem não se sente acolhido pelo perdão? A quem não conforta a doçura?

Diante dessa necessidade real, o desafio que nos cabe é acolher a nossa escuridão humana e tornarmo-nos artífices da própria bondade, verdadeira e gratuita.

Onides Bonaccorsi Queiroz

(Foto: internet)

(Foto: internet)


7 Comentários so far
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Não soubesse eu do quanto você é capaz de enxergar a alma humana, perguntaria de onde vêm tantas verdades… parabéns, Onides.
Você, sempre certeira!

Comentário por Lize

Saudades, lindona! Beijos.

Comentário por Onides Bonaccorsi Queiroz

Encantada e assustada com tantas verdades que, muitas vezes, achamos ver apenas nas novelas. Parabéns por nos proporcionar uma leitura tão agradável para reflexão sobre algo tão “pesado”, porém real. Bj

Comentário por Melissa Jares

;), Melissa!

Comentário por Onides Bonaccorsi Queiroz

Minha querida prima ,que riqueza…lembro-me bem de nossa infância…o qto vc lia os livros na estante que me mostrava, a sua sede e prazer ao ler…quem diria, já naqueles tempos lhe admirava secretamente e hj mais do que nunca tenho consciência que fiz parte de sua história ,de sua construção e mais lhe admiro…como consegues transformar em palavras sentimentos d`alma…. bj Enza

Comentário por Vincenza Bonaccorsi

Te amo, prima do coração!

Comentário por Onides Bonaccorsi Queiroz

Quanta sensibilidade! Menina bonita.

Comentário por Ronaldo Amaral




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